Tendo um pequeno conhecimento da história do cristianismo é impossível dizer que a afirmação a seguir é coerente: “Não sou calvinista nem arminiano”.
O calvinismo é fruto da Reforma Protestante, já o pensamento arminiano é uma antítese tardia ao calvinismo, que contraria o pensamento dos reformadores.
É impossível ter uma opinião nula sobre a doutrina da salvação. Você pode não conhecer as principais sistematizações soteriológicas, ou quem sabe apenas conhecer um lado, mas mesmo não tendo o mínimo de conhecimento sobre o assunto, suas afirmações sobre como a salvação se dá acabarão esbarrando em uma dessas duas doutrinas.
A história abaixo retrata os pontos inversos destas duas sistematizações. Leia, reflita e conclua qual das duas doutrinas se aproximam mais da sua visão soteriológica.
Em meados do século XVII, dirigentes da igreja em Amsterdam convidaram um excelente pastor reformado e professor de teologia de fama e prestígio para que refutasse as opiniões de um famoso teólogo chamado Dirk Coornhert. Coornhert argumentava contra as doutrinas reformadas, e tentava minar os ensinamentos reformados com doutrinas semipelagianas.
As opiniões de Coornhert atacavam de forma direta algumas das doutrinas calvinistas, em suma, no que se refere à predestinação.
Com a intenção de refutar Coornhert, o pastor reformado estudou com enorme dedicação os escritos polêmicos deste teólogo e dedicou-se a compará-los com as Escrituras, com o pensamento teológico dos primeiros séculos e com diversos dos principais teólogos protestantes.
No final de seus estudos e profundas lutas de consciência, o pastor reformado concluiu que Coornhert estava certo, e alegou que toda teologia reformada possuía enormes equívocos.
Em 1603, após uma profunda análise, as opiniões que caminhavam na contra mão da teologia reformada foram consideradas verdadeiras e publicadas.
Foi assim que um teólogo reformado criou a mais famosa antítese do calvinismo, conhecida como Arminianismo. O nome deste grande estudioso de Amsterdam é Jacobus Arminius (Jacó ou Tiago Armínio).
No centro acadêmico a sistematização de Armínio logo foi contestada. Um colega da mesma universidade, Francisco Gomaro, partidário extremista, afirmava que o ser humano não pode realizar nada de bom por suas próprias forças e que requer a graça de Deus para fazer o bem. O quarto ponto literalmente rebate o que Gomaro, João Calvino (um dos reformadores) e até mesmo Agostinho (um dos teólogos mais importantes no desenvolvimento do cristianismo no Ocidente) afirmam; este ponto diz: “No que se refere ao modo de operação dessa graça, não é irresistível, visto que está escrito que muitos resistiriam ao Espírito Santo”. O quinto e último ponto trata acerca de se os que creram em Cristo podem perder a graça ou não. A resposta dos arminianos não é categórica; eles dizem que é necessário que se lhes só deem melhores provas nas Escrituras, antes que estejam dispostos a ensinar que um cristão perde totalmente o favor de Deus ou não.
Com o passar dos anos as circunstâncias não apenas teológicas, mas também políticas, trabalharam drasticamente contra os arminianos, fazendo com que os estados gerais holandeses convocassem uma grande assembleia eclesiástica. Essa grande reunião de teólogos se conhece como Sínodo de Dort.
Reuniu-se desde novembro de 1618 até maio de 1619 não somente os calvinistas daquele país, mas também os do restante da Europa.
O Sínodo de Dort tratou diversos assuntos, inclusive se era necessário produzir uma nova tradução da Bíblia no idioma holandês, mas o foco era responder os artigos Remonstrantes.
Os cânones do Sínodo de Dort promulgaram cinco doutrinas contra os arminianos. Essas doutrinas fizeram parte fundamental na solidificação do calvinismo como doutrina ortodoxa.
A primeira diz que a eleição é incondicional, isto significa que a eleição dos predestinados não se baseava no conhecimento que Deus tem do modo pelo qual cada um responderá ao oferecimento da salvação, senão unicamente no inescrutável beneplácito divino. A segunda afirma que a expiação é limitada; opondo-se aos arminianos, o Sínodo declara: “Ainda que o sacrifício de Cristo seja suficiente para toda a humanidade, Jesus Cristo morreu para salvar unicamente os eleitos”.
A terceira doutrina declara que ainda que reste no ser humano caído certo vestígio de luz natural, sua natureza foi corrompida de tal modo que essa luz não pode ser usada corretamente. A quarta doutrina, conhecida como graça irresistível, afirma que Deus é soberano e pode sobrepujar toda resistência humana quando assim lhe apraz. A última se chama perseverança dos santos, ou seja, Deus através do Espírito Santo servirá para dar-lhe confiança em sua salvação e firmeza no bem, embora vejam o poder do pecado atuando naqueles que creem.
Após o Sínodo de Dort algumas medidas extremadas contra os arminianos foram tomadas. Uns condenados a prisão, outros discípulos de Armínio privados dos púlpitos. Os que insistiam em continuar pregando a controvérsia arminiana eram condenados à prisão perpétua (inclusive fiéis leigos que assistiam cultos com pregação arminiana poderiam ser condenados a pagar pesadas multas). E foi exigido que os líderes dessa revolta aceitassem formalmente a decisão do Sínodo.
A situação na Europa em relação aos arminianos só amenizou oficialmente no ano de 1631, onde eles foram tolerados, e por conta do metodismo, a doutrina arminiana se espalhou pelo mundo.
No Brasil, tal doutrina teve multiplicação instantânea por conta do pentecostalismo clássico, segunda onda pentecostal e neopentecostalismo, que influenciou toda formação doutrinária do evangelicalismo brasileiro.
E você, está de qual lado?
Autor: Higor Crisostomo
Revisão: Miguel Dutra
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